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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

30.7.07

O Casório

Quase acordado, imaginei um véu na tua face. Um homem entrava com teu braço esquerdo que, enlaçando o direito dele, te guiava. Umas flores na outra mão. Um tapete longo te esperava ao portal do casebre que se abria ao te anunciar. E dentro da imaginação, lembrava eu, como um vulto que saía de meu corpo, a última vez que nos encontramos. E dessa vez, então, imaginava o desencontro derradeiro.

Estranho que passaste por mim. Os passos sobre o tapete, contidos. As lágrimas sob os cílios, ansiosas.Vira-te a fronte e agora passas de lado, quando vejo-te num médio salto, arrastando o longo vestido branco de cascata. Mozart toca ao fundo... Ou Bach ou Chico. Ou parece-me um samba de Vinícius entrevado num Chopin. Ou devia ser minha cabeça de ressaca me chorando um cavaco, um pandeiro e um tamborim sobre o fundo musical.

Minhas mãos secas e pálidas. Como talvez minha cara. Como talvez as rosas do teu caminho, que mais me sorriam charmosas que todas. E as vozes que ouvia, talvez da nossa telepatia ou da minha tentativa macabra de penetrar-te o vestido. Minhas vozes gritavam "Ave Maria!", às pressas da tua chegada. Meu corpo tardio, que empalecia a cama, suava o terno... E meus pés gélidos dentro de um sapato de couro.

As tuas costas, de repente agora, que me viam. E atrás delas, um altar e um marido (ou quase um). Um rabino, um padre e um monge disputavam as falas, num coro perdido. E não tinha face ninguém. Mas lembro do terno do indivíduo... Quiçá, num futuro o adquiro! Mas tanto que te falavam, sem fim!

Tuas mãos se soltaram das flores. Teu braço, passado ao indivíduo no altar. E na imaginação não lembro de nada a não ser de um cisco no olho que me embaçava. Ou será que até em meio-sonho as pupilas não dilatam? Ou até em quase-acordado, a miopia me atrapalha?

Tuas amigas e teus cachorros - que não sabia que tinhas. Tinha um velho dum lado portando luneta e, d'outro, uma criança contida, por incrível que pareça. Havia cacos de vidro por onde passaras quando uma chuva, do teto, começava a cair. Os anjos que deviam manter-se talhados nas paredes, me chutavam a nuca! Aqueles capetas! E as virgens dos vitrais riam-se dos tarados nos afrescos.

Todos se viram aos teus olhos quando o véu se levanta... Quisera eu levantar aquele pedaço de renda maranhense. Gritei de longe, revoltado com o infeliz que te fita, fecha os olhos, se aproxima e insinua: "Não beija! Não beija". Vinham flechas dos anjos, cuspes das virgens, maçãs podres dos tarados. E um funk se inicia no órgão da abadia, como se um funk não fosse como eu: um consternado. Mas faria tudo a evitar que teus lábios beijassem o alheio.

O pior das chagas foram teus olhos que me notaram abatido, prostrado, pesaroso, desolado... E trataram de nos tornar invisíveis diante do mundo. Só nós dois no julgamento, quando todos evaporaram. Diziam-me teus lábios: "Acorde enquanto vive e viva acordado". Então, viu-se habitar teu dedão esquerdo, eternamente, uma aliança de pau de macaxeira.

Aí já era hora quando parei de fingir que dormia, ao cair-me num banho gelado; eu e minha solitude a que tanto devo por ser minha companheira.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

seculos sem te ver....aqui e ai...
mas parece que nem um minuto se passou...amo seus textos poeticos, ironicos, amargos e verdadeiros....
falta adjetivo....
bjosss enormes....
clara...

05:32  
Anonymous Anônimo said...

Absolutamente espetacular!
Superou-se Basilio...
Palmas pra você!

Beijinhos!
Carol

20:45  

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