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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

1.7.07

Bengala

Encosto a bengala no bar
Depois dum dia triste.
Meus pés que se acumulam
Num caminhar que nunca tive.

Um trago forte como a chuva
De dois dedos de vodca.
Meus olhos que se rubram
De alma fechada que não se olha.

Ponho o chapéu sobre o balcão,
Arrumo meus cabelos;
A barba que me esconde
De um mundo perdido que é meu.

Afrouxo a gravata que aperta
Na falta de ar constante.
E o destino me leva
De uma vida sem nada adiante.

Toco a testa co'um guardanapo,
E o suor me refresca;
E aposto nos cavalos,
Uns dois centavos que me restam.

Do paletó, tiro um charuto
Guardado prum casório.
Beijo gosto de fumo,
Que os meus lábios ferem no copo.

Alguém me oferece castanhas.
Agradeço na voz.
Meu corpo, lacrimejo,
E salivo a lembrança nossa.

Regurgito o passado tanto,
Que outros me olham com nojo.
Volta um suor tão frio,
Que tremo as mãos e me recolho.

Lavo o rosto lá no banheiro,
Me recomponho seco;
Ergo os ombros com jeito
E decido, ali, um recomeço.

Na volta ao bar, já pago a conta.
O chapéu, num desfecho,
Troco pela carona,
E a bengala - a querer - esqueço.

No caminho de casa, rio
Como nunca assim rira:
Se beijo tua barriga,
Com os dedos, proteges o umbigo.

À tua porta, quando te grito,
As flores cheiram forte;
Ouvem-se passarinhos
Apontando o canto pro norte.

Vejo-te abrindo a maçaneta,
Carinhosa, tão lenta;
Teu rosto mostra pena
De um bêbado que muito lembra.

Ouço tua voz doce e contida,
Pedindo que eu me vá;
Que não temos a vida
Que tínhamos tempos atrás.

Largo ao chão as rosas juntadas
Por todo meu trajeto.
Ela leva os meus olhos
Que os beijou tão quase secretos.

E o adeus que me atrasava a dar,
Finalmente, aceitei!
Arrumei-me um par:
Dancei co'a luz e me ocultei.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

muito bom! falando serio!

18:49  
Anonymous Anônimo said...

Será que se a bengala não ficasse para trás o final seria o mesmo...
Visão real do dia-dia da labuta. Muito bom.

12:24  

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