Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

17.8.09

Poesia Sobreposta (a eterna recorrência)

O que há dentro do poema,
não é leitura de se abrir os olhos,
nem leitura de fechá-los à noite.
Não é tortura de alimentar o ódio,
nem saúde de curar os vícios.

O que há dentro do poema,
não é capricho de um corpo afoito
nem sossego de um talento lírico.
Não é rabisco de um papel marcado,
nem um evento narrado em papiro.

O que há dentro do poema,
não é sólido, nem líquido;
nem gasoso, nem frutífero.
Não é definido por sua natureza de estado,
nem supostamente um estado de espírito.

O que há dentro do poema
é o que há em qualquer espaço,
mas não é coisa química, nem mundo físico.
Não é a graça do palhaço,
nem a tenebrosa voz do precipício.

O que há dentro do poema
- do poema que trago então comigo -,
não é a métrica do quadrado,
nem a calma de um círculo.

O que há dentro do poema, vos digo:
um poema inteiramente novo,
dentro do poema antigo.

8.8.09

Velhice Bem-Servida

Minhas pernas já não mais respondiam
como quando jovem.
Tremiam. Desestabilizavam-se a toda hora.
Minhas pálpebras cansadas de abrir os olhos;
e mesmo meus olhos verdes, cansados de ver.
Tantos livros que acumulei;
fotografias, filmes, melodias...
Tanto que nem sei.
A cada dia passado em minha vida,
o tempo, assim, machucava na tez.
Em mim, desenhava sinais,
como a parafina derretida
de uma chama já ínfima.
Todo o tempo que havia,
vivido outra vez.

As colinas eram íngremes,
muito mais do que lembrava.
A relva cálida suprimia a trilha,
os pequenos galhos e as pedrinhas.
Meu sapato de tantos anos, variava o barro.
A cada ano vivido, sofria um bocado,
como se as marcas da vida subissem montanhas.

Sempre achei as terças-feiras mais
interessantes que os outros dias.
E cá de cima, às vezes, lembro-me das tercinas,
das quintinas e dos domingos.

Descansava num banco de madeira,
às espera do fim de tarde.
Eu, meu chapéu Panamá,
minha camisa cor de azul-marinho,
minhas calças surradas que já foram de meu pai.
Minha barba tão branca,
meus cabelos tão ralos.
A dificuldade da vista cada vez mais inoculada
nas formas da fantasia.

Constantemente, sentia música em meus ouvidos,
poesia em cada sílaba da paisagem.
Cores me atormentavam.
O sol me castigava.
Vivia sempre, em cada instante, esperando
um vício, um aviso, talvez até a mensagem
que se espera do abismo.

Apertava os olhos,
sentia os dedos formigarem,
a respiração cada vez mais rara.
Minha fala já não era de tanta clareza,
era rouca, quase muda, quase nada.
Assim que o escuro emergia,
saía eu da casca como um caramujo
à caminho da boemia.

Tamanha nostalgia minha,
que já me faltam os tempos da velhice,
antes mesmo de ser-vida.

3.8.09

Defeito

Um defeito que me sobra
é o do pleno talento para a dedução.