Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

28.5.08

Deus e o Diabo

Ah, o amor é débil e frágil;
Como um escravo acorrentado,
Quando o barão, negando alforria,
Rindo-se de quatro,
Beija o solo e enfarta ao soluço do dia.

Ah, o amor é liso e afável;
Um vil cachorro largado
Que aceita-se às mãos de uma menina,
Rindo-se virado,
Feito embarcação no oceano, à deriva.

Ah, o amor é flébil, é chuva;
É um calabouço de plumas
Onde prendem toda fantasia,
Todos meus pecados,
E minha esperança retorcida.

Ah, o amor é burro e sábio;
Um velho transfigurado,
Que roga pragas distribuídas.

O amor é o Diabo em fatos;
O amor é Deus ingrato,
Rescindindo à rebeldia.

26.5.08

Viagem Nova

Nasceu canção em vez de choro
Feito sopro em catavento
Menino já virando moço
Mesmo ainda tão pequeno

Em vez de luz, um calabouço
Onde guarda o sentimento
Menino já riscando o esboço
Um contorno, um desenho

Quando, à noite, luar não caía
Coração definhava sozinho
Feito um rio que viera à vida
Sem corrente nem destino

É feito um sonho inacabado
Quando o dia acorda em susto
Menino já juntando os trapos
Mesmo ainda sem futuro

Em cada nota derramada
Tanto esmero, tanto aprumo
Menino já traçando rumo
Mesmo ainda sem estrada

Quando, à noite, luar não caía
Caminhava no sono perdido
Com seu jeito de pouca medida
Com seus olhos de infinito

Devastado

Não tinha mais palavras
tinha meus dez dedos das mãos
que te tocavam a música;
desnecessárias minhas palavras.

Era como um abajur ainda iluminando
a sala com a lâmpada extinta.
Eu, com as palavras, era como
abrir a porta de sua saída, ao nada.

Hoje, letras e números me cansam
porque não acompanho um amor tão vivo.
Que não chega o amor a ser martírio
mas passa longe de um deleite.
Tenho pena dele, agora em minha vida.

Amor que fora em Platão.
Eu que bem vou passando
sendo a hora de Ovídio;
Te sonhando lírico,
contemplando um momento empírico.
Outra vez renegado.
Uma poesia devorada pelo intrínseco
sem detalhes mínimos
de um amor enclausurado.

Poema à Miss Teasdale

Quando estiver morto, e sobre mim o arbusto de outono
balançar meus cabelos devassados,
embora os galhos, tenham-me envolto,
não me importarei com nada.

Terei a paz que têm as folhas secas
sob o orvalho que o vento lhes corta.
E terei mais silêncio na saudade
que não tens de mim, agora.

23.5.08

Despreparo

Avisa-me a hora,
que te espero.
Preparado e desperto,
cheio de risos
sem tanto tempo fechado e anuviado.
Só avisa-me a hora,
pois surpreso da chegada,
não me tolero.

Avisa-me, que te recebo
de braços abertos,
como num filme.

Avisa-me do momento certo
que não me queixo;
calo-me comigo, bem firme.

Avisa-me para que tenha certeza
que recebo-te entregue.
Que eu faça cozinha,
que eu faça faxina
(mio cuore merece limpeza)
Avisa-me da hora devida
que te abraço como se deve.

Avisa-me do que faço
quando perder a sabedoria
e minha sanidade;
não gosto de meu excessivo entusiasmo.
Porque planejo, dessa vez, receber-te como posso,
na medida da saudade.

Avisa-me de tudo!
Pois sempre te quero apressado
e agora te quero inquieto.
Avisa-me de sua vinda,
que recebo-te como se faz
ao receber na vida
um doce e farto cálice
do mesmo amor eterno.

O Ataque do Lobisomem

Sente o respiro por baixo da porta!?
O gemido de um álito amargado,
A sombra na fresta que se desloca...
Ouça as unhas rasgarem o assoalho;

O vento ultrapassando a fechadura.
Como assovio atravessando a boca;
O sabor da terra ao encontro da chuva...
Sente o calor do pêlo sob a crosta!?

Vá! Regarregue a prata no mosquete!
Em todo esse contorno da choupana,
Há espalhadas centenas dessas redes.

Num piscar de olhos, lanço-te um plano.
Mas por enquanto, grude-se às paredes,
Que eu corro amedrontado pelos campos.

Empirismo

Quando menos resisto,
é que me canso.
Quando reclamo ,
provo do amor empírico:
quanto mais fundo,
mais afogado;
quanto mais lúdico,
mais aprazível.

19.5.08

Máscara

O meu amor não é o escuro;
não é o claro.
É luz de um Almodóvar,
num vermelho intacto.

É o nada e a coisa toda.
É a coruja louca
pasmada na cancela;
a vigilante do teu quarto.

O meu amor é um espasmo.
Não é raso, não é profundo.
É um sofrimento oriundo
de uma alegria do passado.

Não é o calafrio
de um fantasma cego
em meio à multidão.

O meu amor não é fugaz,
não é um estado.
É um arco de absurdo
lançando a flecha envenenada
do acaso.

Não é mascarado, o amor.
Nem multifacetado.
O amor
é o quando quem sou na face
e nada sou no interior.

14.5.08

Castelo

Na realeza do amor em minha corte,
No átrio de um castelo, é onde vivo.

Lá em cima, que moras em minha torre,
Ainda em quadros e papéis antigos;
Entre traças e poeiras e livros.
A távola, os candelabros, as cortinas, os vidros;
As premissas de um passado leviano
Espalhadas pelas paredes de mármore.

Os corredores do castelo me invadem
E, a cada encruzilhada de seus cômodos,
Meus sonhos se frutam como em árvores.

Vejo um leito devassado,
Onde deitavas e dormias intermitente.
Tua sombra ainda ronda a sala,
Os espelhos e as madrugadas de deleite,
Num vestido de noiva em que te imaginara.

As flores caladas
Não exalam mais teus cheiros.
Nem a água, nem o corrimão das escadas.
Talvez num ar paralisado no tempo,
Nos dias inconcretos, nas noites cálidas.

Nos sinos de bronze do mosteiro
Que repicavam em sons helênicos,
Um som que atormenta meus medos,
Que ao mesmo tempo, também me libram.

E os cavalos, nos estábulos, relincham
Com suas patas de ferro e seus olhos de feltro.
O bispo incendiado e os peões enfurecidos,
Rejo nas planícies de meu pasto,
Rumo a tua procura e ao nosso cotejo.

Pelo passadiço do calabouço,
Corro iracundo, procurando a luz.
E sinto as velas apagarem
No teu sopro que ventanejavas
Em minha nuca.
É profundo e escuro esse lado do castelo.
O frio em que te sentia primeiro...

Abandono, a uma hora, meu destino:
Dentro do pote em que te guardo,
Vejo retalhos de uma fotografia amarelada.
Cada parte juntada, é lembrança infinita.
Assim, não sinto-me incompleto,
À vista que tenho o amor ainda vivo.

Abandono, a uma hora, minha guerra:
As entrelinhas da poesia deixada
Decifram o paralelo mundo de saudade.
Porquanto firma, em minha pele, tua pele;
Calafria tu'alma tão dentro da minha;
Teu corpo depositado no meu, sem ferida,
No esmerado corte da felicidade.

3.5.08

Opus

I

Talvez quando chova,
Mesmo junto da luz,
O arco-íris seja falso:
Um daqueles de cores avulsas
Cheio de beijos da tua boca
Cheio de água, num choro raso.


II

Apesar de palavra mais linda,
"Saudade" é forma incerta
Que me é, ora preenchida,
outrora, promessa.

III

Há dias em que tua falta pesa...
Ou dias de menos existem
No tanto em que minha vida te espera.