Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

31.1.09

Giro

Giro tanto, que entonto.
Meus pés se trocam
Mal tocando o chão.
Seguindo uma linha,
De ponto a ponto.

Girando, me desencontro.
E me desloco do eixo,
Quando num momento me fecho
A tutto nel mondo.

Acabo que me encontro.
Teus olhos afronto
Na fixa imagem de um sonho
De veraneio.

Procuro-te tanto,
Que te acho,
Dentro e fora de mim mesmo.
E, pra tudo que vejo,
nunca estou pronto.

28.1.09

Verão

Não sou muito do Verão. Tenho todas as estações em mim, mas não me aturo no Verão. Porque sei que não inalo sol e não engulo a chuva. Não gosto da astúcia toda envolvida na malandragem dos olhares que, nessa época, vigora. Sou poeta muito mais do Inverno, quando entristeço. Muito mais da Primavera, quando amo. Muito mais do Outono, quando envelheço.

Época de felicidade extrema (ou fingimento dela), o Verão me deixa furtivo. Não que eu seja infeliz. Mas sinto que minha felicidade é minha, e unicamente minha: não me divido. Aquela felicidade toda de Coltrane, largada num sax divertido e escalático. Devo ter muito mais de Chet Baker - que seja daquela face da Lua, escondida pela nuvem e embalada pelo descaso.

Sou muito mais das entrelinhas da Primavera. Das horas em que a flor desabrocha, se abre toda e se espreguiça, como se abrisse os braços e esticasse as pernas, no bocejo da manhã. Primavera é fresca feito hortelã (e os beijos de hortelã são muito melhores). E as folhas, tão verdes, se preparam para sugar o máximo de vida, perder a força e cair no Outono.

É aí, quando creço. E adoro envelhecer - digo de passagem. As copas das árvores se renovam. O orvalho prende-se às teias das aranhas, como as lágrimas se prendem aos olhos e, as palavras, à saliva. E no Inverno é que choro tudo acumulado. Entristeço de alegria. Rememoro, e necessito. Minha tristeza de Inverno não é mais que a saudade revivida.
Meu Verão chove!
Deveras precipita!

14.1.09

Eu Lírico

Não sou eu que penso nela.
É meu outro lado, o lírico,
o solitário.
Como o lampadário do sol,
relampejado na lua
e derramado no espaço.
Não sou eu!
Não sou tão descarado.

10.1.09

Contínuo

Não pretendo dizer das horas de Dezembro,
nem do silêncio, dos erros, das aventuras.
Não prezo pela História em minhas escrituras,
nem troco o estático pelo blasé do tempo.

Sei que não me rendo às minhas afáveis angústias,
por nunca ter de empoeirar o movimento.
Não pretendo lavar as minhas mãos tão puras,
por não pretender nada além do que não tenho.

E dentre milênios, saberei que sofri
dias e dias a fio, num conto bíblico;
como se houvesse glória num trágico fim.

Em milênios, mesmo sob campos de lírios,
desossado e já desencarnado de mim,
saberei que vivi toda uma vida, vivo.

9.1.09

Jornada a Dois

Todas as noites, saio de casa,
como saísse de meu corpo.
Com o andar cuidadoso
e os pés sigilosos,
encosto o portão atrás de mim,
até o fecho explodir silencioso.

Desço a rua, com as mãos no bolso,
evitando o lixo e as lacunas da calçada.
Chego à encruzilhada e contra-rezo.
Subo as Laranjeiras
até que vire Cosme Velho.
Percebo que há caminhos
em que nunca me entrevo.

Adentro o Rebouças
aventurando-me entre os carros,
entre os tiros e a fuligem.
Caminho longo, em declive.
Não sinto as pernas,
porque andam sozinhas,
por conta própria,
livres.

Curvo ao bairro dos jardins,
onde, até de madrugada,
ouço o ranger da cacatua.
Conto as palmeiras
e as barras de ferro
que as separam de mim.
A noite, nua e crua,
investigada pelos olhos,
sentida pelo incrédulo.

Minhas mãos suam,
minhas pálpebras cerram,
minhas pupilas dilatam.
Sinto-me como a lua,
branca e desabrigada.
Até onde minha vista alcança,
não enxergo nada.

Agora, a Gávea.
A vela superior à grande,
o tabuleiro de altura ao mastro
da jangada...
Enfim, sinto-me perto de casa,
novamente.

Vejo-a quando desliza pela praça...
Ela, com sua saia,
seu andar de alfaia,
sua cor de semente.
Nós dois, evidentes
aos sentidos da alvorada.

Pelas mãos, que a levo junto.
Fazemos meu caminho de volta
para dentro de mim.
E nada que mude o destino,
é feito divino de outrora:
somos assim, um do outro,
sem sacrifícios
e sem demora.

Casório

Começava a brotar poesia
De onde havia e não havia.
Se era, de livros, derramada,
Ou das vozes da alegria,
não sabia.

Vinha debruçada,
Como debutando na vida,
De véu e grinalda,
Como se viesse fugida
das entranhas, do calabouço,
do covil das feras,
da guarida.
Brotava por entre as pedras,
o lodo, o sal, o concreto,
o asfalto, a doença, a língua.

Poesia que não tinha defeito:
Floreteava as areias. Vinha
como desatina os amores,
como abarbava o amante,
sem muito o que ser feito.

Brotava poesia das falácias, até.
Dos impostores, dos vitrais,
Do mármore, dos anjos e de seus pés.

Poesia que abrira o Mar Vermelho,
curava os cegos e as falas da sacristia.
Poesia nos ecos, nos sinos, nos órgãos
Internos,
E nos órgãos da abadia.
Um som de poesia completa,
Brotava e brotava...
Tal maneira do esboço
Dos rostos e sua apatia.

E um único rosto subia a escadaria.

Brotava poesia!
Brotava da minha agonia,
Minhas horas de espera,
Meus anos de mera anicha,
Escondido em minha sina, como Florentino.
- Que lhe profira Gabriel Garcia.

Digo que a poesia brotava,
Porque o silêncio permanecia.
Um desígno de abarcar milagres,
Dia após dia.

Brotava, porque silencioso é também,
O surdir da biografia:
A flor nascida é apenas ouvida
Por ela mesma...
Assim me sentia:
Ouvindo-me a mim
E a poesia,
Enquando ela me vinha,
Sorrindo.

Logo, ela vestia o brilho
Do anel que lhe dava,
E dentro do beijo eu sentia:
Enfim, minha mulher
e, eu, seu marido.

7.1.09

Beirada

A amendoeira não briga com o vento:
As folhas voam, os galhos tombam,
O assovio contínuo dos nós no tronco
Feito as asas da cigarra no roçamento.

Vejo quase tudo o que ocorre em natura:
A bruma úmida nas escadarias do Leme
Esconde a vista da luminosidade nua
E que serve de abrigo a um calor eminente.

Sobrou-me mais que um pouco d'água,
Um côco maduro, um sussurro do mar,
Enquanto desmembro meu corpo no espasmo
Em que espero teus olhos me virem à beirada.

Nunca que devolveria flores ao oceano!
'Inda mais aquelas em que dançavam os peixes,
Em que aninhavam-se as gaivotas, ano após ano.
Eu mesmo já contara com elas, onde me deitei.

Aprendi que não se briga com o vento,
Que não se procura por entre a bruma,
Que não se regam flores no sentimento.
Aprendi vivendo, que sou vivo - em suma.

2.1.09

Encoberto

Muro com muro,
vivíamos eu e ela.
Encantados e mudos,
entre a ânsia e a espera.
Eu, cá em mim, sonhava;
Ela, dentro de seu mundo,
enclausurava tudo
que, até meu futuro
evidente,
se encobria deveras.

Orça

A cidade lambe o oceano
com sua língua negra
tóxica.
A baba do esgoto
se acumula na beira,
mórbida.

Os urubus dançam e acasalam
com as garças lépidas.
O preto no branco.
O sonho e a miséria.

E quando tudo, no core,
me causa espanto,
uma ave canta na cancela.
Cigarras e abacateiros;
Floreios e devaneios,
em cada fruto, em cada veio,
em cada espera.

Digo de mim, que rondo à vera:
que é hora de orça firme e rasa.
E de caçada vela.

"Dois mil e nosso é nove!"

(Felipe A. Basilio)