Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

18.12.08

Reveillon

Daqui a pouco, a cidade vai se abrir
E mais um ano se acabando em Reveillon.
Um mero agouro numa farsa que vivi,
Do amargo antojo em abusar da solidão.

Mas sintoma de agonia é a nostalgia.
É a vertigem da alforria, num maldito coração.
É a fulgura que inflige a despedida,
Feito o estrago da ferida,
Quando o açoite é uma paixão.

15.12.08

Mãe e Filha

Acho que até sei da vida.
Ora é a sede da terra, ora é a saliva.
É uma bênção de febre maldita
quando é pecado (e é também coisa divina).
É a envolta escuridão e a lamparina.
Idas e vindas; dias quentes e noites frias.
É improvável e devida.
Mar e água-viva.
Palco e bailarina.

Umas vezes, destino; outras, é labirinto.
É um ponto fixo, e é reta num plano infinito.
Ora seduz, ora larga como abandona-se um bicho.
Tem horas que pareço, da vida, o filho;
noutras, pareço um pai ditador e mesquinho.

Acho que até sei da coisa.
Não que a tenha vivido por toda,
mas da vida tenho sabido, mesmo que pouca.

Em momentos únicos
a vida me parece absoluta,
mas quase sempre é relativa.
É relação afetiva.
A vida é fração, divisão,
mesmo quando parece subtraída.

Em termos, é até mascarada
e, por baixo, sentida.
Por fora, introvertida; por dentro, enfeitiçada.
Já cogitei comparar a vida à montanha,
ela como todo, com suas encostas de pedra,
seus barrancos de terra,
seus córregos e cachoeiras.
A vida é estranha,
mesmo quando parece corriqueira.
São as entranhas do vento que a vida é
(Se é que há no vento algo interno).

A vida é propícia e, ao mesmo tempo, derradeira.
Não sabe quando ir, não sabe quando chegar.
E por ser tão indefinida e atabalhoada,
tende a ser preferida por quem vive mais.

E sabe que nela vejo, de tempos em tempos,
um quê de personalidade inserida.
Parece-me a única mulher com quem me casaria.
E claro, a música minha amante eterna,
dela nascida. A filha e sua mãe.
Música e Vida.

Terra Firme

Vejo aquela menina,
entre pétalas brancas,
esticando o sorriso
e colhendo a maré.

Não quer ver, a menina,
que lá estou entre a espuma,
as águas e a bruma;
entre a areia e seus pés.

Segredos

Há segredos que não conto:
aqueles nos quais definham
desencontros.
Imagino que seja porque,
deles, me envergonho;
ou seja neles que me escondo.
Não é sábio revelar o esconderijo
Não é fácil proteger-se do inimigo
Os segredos que não conto
são meus e ficam comigo.

Dedicação

Sempre abarcado por erros
e envergonhamentos.
Desejos avulsos que se encontram
dentro de um próprio eixo.
Sentidos embasbacados,
aleijados, fundidos num corpo e meio.
Trançado pelo juízo
dos valores que não tenho.
Envolto às mesmices da fala
e esquecido das amarras
dos sentimentos.
Pra quem ama intenso,
uma leve dedicação é falha.
Um leve descaso é pleno.

9.12.08

Indigente

sonhei-me infante.
pequenino,
cantante.
os olhos lacrimejavam
de sono,
os ombros pesados,
a fome constante.

pequenino
e saltitante;
gangorreiro
e nunca balanço...
talvez já pudessem
me dizer do futuro:
que prefiro confiar em quem
me contrapesa,
que nas correntes
que me seguram.

sonhei-me infante.
beliscado,
delirante.
correndo em campos
abertos,
entre os cedros,
ligando-os com barbante.

pequenino,
distante,
sonhador
e sorridente...
talvez já pudessem
me dizer do futuro:
que amaria mais que o amor,
mesmo amando sozinho,
indigente.

Pianíssimo

Haja o que houver,
decidi pelo retorno;
reto e incorreto!
Uma estrada que conheço,
de tanto refeita
e desafiada.
As linhas da pauta,
o lápis grosso,
a borracha.
A melodia se volta contra a métrica;
o ritmo, contra as regras;
Eu, em desarmonia,
vomito quase-idéias.
E minha vida se resume em pontos.
A mesma vida que reencontro
nas paredes do quarto
quando olho-as envolto
de um som macabro:
eu, meus dedos,
a imaginação repleta
no teclado.
Apenas eu,
meus dedos
e ela.

1.12.08

Sonora

É rasgo profundo num brado.
Meus sons delegados em fluxos,
como faz o tramado em repuxo
e a flecha em todo alvo.

A camisa, das mangas, liberta.
O luxo dos olhos despertos,
verdes e amargos, como setas.
A borracha no asfalto.
Os rios em planícies.
Os veios em troncos.
A moral no mérito de um fraco.
A sutileza do vento nas velas.
O corte d'água no convés.
O revés e o contrário,
dentro da própria meta.

O desamor da vida no pretérito.
A agulha no vinil.
A música, na pele.
E o que veste em carne,
o vil de meu afeto.