Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

31.3.08

Velhice

Ando estranho,
com o olhar mareado,
sorrindo interno,
falando sozinho e calado;

Ando abatido por fora
e colorido por dentro.
Com as olheiras
sustentando os olhos
e, as bochechas,
elevando os lábios.

Ando assim meio lento...
Como se não andasse
a nada;
assim, vadio, andando a esmo.

Ando distraído demais,
até além do que sou.
Talvez não veja passando
as futuras esposas;
as idéias concretas do meu esboço.

Ando meio louco,
com olhar de moço perdido.
Não me importo comigo
nem com os outros.

Acho que ando envelhecendo um pouco.

Ao Tempo Nosso Passado

Inevitável é o tempo, amigo!
Se fosse possível, não seria.
E, mesmo assim, na vida,
Não é sempre que resisto.

Viver não é compromisso,
Pelo contrário, é fazer tudo
Que venha sonhar o espírito.

O tempo é de passar,
Mas não se preocupe, amigo,
Eu fico.

Aos amigos de todos os anos Luiz e Lupa

26.3.08

Do Jardim

O que me espanta
é a doçura da terra
a leveza das pedras
e o odor de lavanda
O suspiro da fala
de sotaque da França
e o tambor de Luanda
em entrelinhas da mata

O que me intriga
é o roçar das plantas
entre elas tantas
acasalando vida
O imperfeito das bocas
que não parecem lidas
caladas em presilhas
brancas como louça

O que me fascina
é o fritar do solo
e o que deixa de espólio
àquela terra ferida
O lampejo dos olhos
que avistam o ocaso
e em breves espasmos
fixam-no imóvel

O que mais me incomoda
é o labirinto de orquídeas
que não exploro
e ao findar, sei que é lá
contigo, onde moro

25.3.08

Confissão

Confesso que não vivo.
Passo e repasso o momento,
Sem maldade; um menino
Cheio de sentimentos.

Aqui de baixo, vejo pouco.
Nem adianta esticar o pescoço;
Deito, estico e fico
eu mesmo e meu pensamento.

Confesso que não tenho escrúpulos
Suficientemente audaciosos,
No sentido de amar demais.

Resumo o que sou no futuro
Como vejo o passado em meus olhos:
Sólidos - porém chorosos -
De tanto amor que me faz.

Confesso que não vivo pleno.
Confesso que amenizo a dor
Cantando os meus erros,
Meus delitos e os abrigos
Invadidos pelos medos
Que trago comigo.

Confesso que não vivo direito:
Tão frouxo peito
Balança lá dentro,
Fundo e incerto.
Meu grande coração de moço
Que nunca mais quero aberto.

Confesso que vivo (ou não);
Levo e relevo os problemas,
Sem matar de paixão
Meu último sopro de poemas.

Queimo na virtude do meus sonhos,
Sentado na firmeza de um trono,
Como um rei da saudade
Que não se aguenta
E se condena em sono,
Com toda real verdade.

Confesso que não vivo.
Revivo sereno os dias,
Sabendo que não sigo
Por onde nunca os queria.

Sim, confesso que não vivo!
Mais que isso, ainda:
Poetiso na sobrevida
De um coração que, mesmo partido,
E todo em ruínas,
Sequer emite um ruído.

Paixão Descordada

Não concordo com ela em nada.
Nas entufadas dos versos,
nas entrelinhas inchadas de tédio,
nas sombras do pretérito.

Sou mais que o verso escrito pelas intempéries,
quando um vento forte as escreve.

Não concordo com ela no sentido da vida:
acho que ela retorna, e não que vá seguida.

Ela pretende crescer, mas não mede.
Em mim, te afirmo, ela não cresce!

24.3.08

Cores

Porque há cores tantas
que cegam e tornam
o mundo preto,
amarelam o sorriso
e esfriam o coração
como gelo.

Há cores que invejo
bastante que me rubram.
Cores que azulejam as paredes
do banheiro.
Que perturbam
dentro das olheiras,
dos ouvidos e
dentro dos cheiros.

Há cores que não vejo
que espinham
a rosa que vermelho
o broto que verdeio.
O batom de cor
da boca marcada
do beijo.

A cor do dinheiro
petróleo,
ouro
ou realeza.
As cores das nações
turquesas...

Ou quando a cor tem
gosto de bala
de anil
de cereja...
Gosto de acácias.
Gosto de frutas cítricas
ou manga, açaí, laranja
ou acerola.
Ou gosto de legume
de berinjela,
beterraba...

Do inferno, à cor das rameiras.
Das cores brutas indesejadas,
à cor de bebê;

Contudo, à ela,
não há cor relacionada;
nem, dela, há a cor imaginada.
Talvez somente aquela
que em nada mais que sonhos
ou divagadas,
se possa sempre ver.

20.3.08

Personalidade

Vive o dia
e o transpira.
Abre a janela
como se amanhecesse
apenas por detrás
dela; por onde
o mundo a espia.

À noite, vestida,
despe a rua
como quem abre
as cortinas.
E às luzes,
de repente,
desfila um poema.

Feito Paris
debruçada em Ipanema,
numa tela branca de pintura,
sobre a armação de madeira
ou num antigo cinema.

Ela deveras sente
o movimento das coisas.
Que talvez o devesse
partilhar,
feito ave catando grão;
ou toda ostra invadida.

Sua personalidade afoita
que, em vez de parar e pensar,
larga-se ao mundo perdida.

Sua fortaleza de moça
que, em vez de tentar amar,
luta o quanto possa, enquanto vida.

17.3.08

Ser Poeta

O poeta entristece quando chove.
Feito covarde, chora enquanto vive;
Poeta adoece, morre e desmorre;
O poeta nasce e renasce livre.

O poeta não se quer, não se suporta:
Chuta-se para fora dele mesmo.
Poeta nega, renega e se aborta;
Poeta cria-se e recria-se imperfeito.

O poeta não se importa em cair...
É gaivota em sentido ao oceano;
É o negativo de sua parábola,
Depois de tanta viva mágoa abrir.

O poeta não decola, não voa,
Porque, lá do alto, ele nunca volta.
Poeta mora na casinha própria,
Invisível, que não se destoa.

Poeta se aborrece quando acorda
E evita a cama quando bate sono.
É compreensível poeta mudo,
Feito um pássaro triste na gaiola.

Porque não tem poeta que não cante,
Encante pedra, gelo e coração.
Poeta é quem se perde em cada instante,
Um dócil, manso e lento furacão.

Ser poeta é vagar na escuridão,
Tateando os sentimentos de dentro,
Tropeçando nas agruras de fora...
Ser poeta demora; outro ser, não.

16.3.08

Tanto

Mocinha bordava panos
E à noite os estendia.

Mirabolava-se planos
Assim, desentendida,
Enquanto dormia
Nas alças do encanto.

Mocinha de leve pranto
Que à noite os escondia.
Que por ela sonhar tanto,
Até se convencia.

E que por eu sonhar tanto,
Até me convencia.

12.3.08

A Morte do Mundo

Digo sempre que escrever sobre o nascimento não é algo que me instiga. Pois, dele, não posso abstrair invenções, já que é fato consumado e irreversível. O meu, aconteceu estranho – dizem. Nasci, literalmente, virado para a Lua. E digo que nem sobre nascer estranho me valha a pena escrever. Talvez devesse a isso, que nascer não me apeteça a ponto de pensar mais e desdobrar em milhões a minha imaginação. Uma vez nascido, não importa mais.

O que me importa é a morte. Sobre ela, posso discorrer horas a fio, mesmo sabendo nada sobre o assunto. Discorro melhor e tão bem quanto qualquer um dos homens, que a conhecem tanto quanto eu. E, conseqüentemente, atento à criação de minha morte, crio também meu futuro. Claro. Porque tudo que é passível de criação, tem que ser futuro – senão é cópia. Morte é futuro.

Parece um sistema óbvio, mas tem quem diga que morreu e voltou para onde estava. Dizem até que lembram da morte ou da vida antes da morte anterior à vida atual... Confusão na qual não me aventuro discórdia. O que me atrai é criar minha própria morte, mas uma que seja desta vida.

Assim, nas linhas do meu futuro, decidi que essa morte será um evento mundial. Tantas velas serão acesas que bastará o dia sem o sol; tantas lágrimas corridas, que bastará o mundo sem oceanos, mares e rios. Tudo inútil. Minha morte tornará o Mundo inútil.

Se decido por isso, decido também que a inutilidade do Mundo é a morte dele. Vejam, não digo que ser inútil é estar morto. Mas tornar-se inútil depois de um bilhão de anos trabalhando, é a morte, com certeza! Nem merece o mundo continuar correndo por aí, nessa incansável leveza de ser, rodopiando pela via-láctea, brincando de pique-pega com o Sol e esconde-esconde com a Lua, depois de minha morte. É só deitar em berço esplêndido, eternamente, e à luz do vácuo escuro.

Relaxe, Mundo, enfim! Quiçá talvez nos encontremos num além-futuro, um futuro mais-que-perfeito: eu vestido de mundo e, você, vestido de mim.

11.3.08

Em Sonhos

Dança desmedida,
rodando saia e amando a vida.
Num tomara-que-caia,
sempre em meu colo.
E vem
debruçada nas rasas costas
de cada sombra minha.
Diverte-se como nunca!
Porque, sozinha,
não há nada que não possa.

Assim, pairo impedido,
rodando o tempo e amando ainda.
Quando vivo acordando
sempre em seu colo.
E vinha
debruçando em suas costas
da nuca ao fim da espinha,
divertindo-me, se posso.
Porque, em sonho,
ela (quase sempre) é minha.

9.3.08

Coração Menino

Vá, menino!
Rompa a coleira da vida
e passe por cima!
Leve-me contigo...

Cada passo,
cada verso dito
ou grito espalhado,
cada frio passado,
cada verão...

Cada laço
esticado ou
choro banido,
toda ilusão;
ou tuas pernas vadias
fugindo, fugindo comigo.

Cada música
ou nota ou clave,
cada chave de porta,
cadeado de rua.

Todos os instantes
bastantes,
sendo-os sempre.

As histórias
suas que eu quero
esquecidas;
ou as que eu quero
comigo,
leve!

Cada sopro de vento
no fim da tarde;
cada praia
em, cada areia, enterrada.

Cada amigo ou
todo desamigo;
cada um dos meus
pequenos aflitos
ou febres macabras.

Cada flor de abril
com suas cores;
cada momento
em que essas flores
se abriam.

Cada assunto puxado;
cada beijo roubado
ou perdido
ou achado.
Cada olho que vejo,
um por um, brilhar.
Leve o brilho.

Carregue contigo as luas,
as marés,
bichos e plantas.
Todas as noites,
vários os dias,
ou madrugadas tantas.

Cada ponto,
cada linha,
cada agulha no pano;
cada plano,
cada luta;
e as saudades minhas.

Cada passo,
cada verso dito...
Cada tudo!
Leve contigo,
porque dentro de mim,
empurrando sangue,
não é teu futuro.

5.3.08

Espelho

Cá de novo estamos
Numa noite crua,
Sem o tempo necessário
Do cozimento;
Numa carne fria,
Com toda rigidez
Pós-mortem.

Estamos os dois, solos,
Numa terra dízima
De vento periódico.

Cá, nas paredes do emissário,
Penduram-nos quadros
Desalinhados,
E as paredes chovem.

Cá estamos à cabina...
Quando a escotilha fecha,
Ouve-se agüar o casco,
Gritar os botos,
Chorar as baleias às pedras,
Ao despertar o diabo.

Cá estamos eu e a distância;
Dois próximos semelhantes
Numa reta finda,

Podres, mal-cheirosos,
Cheios de sonhos penosos,
Suados, bêbados...
Cá estamos eu, a vida
E o espelho.

4.3.08

Saudade

Saudade não tem espaço nem tempo,
porque saudade não se tem simplesmente
quando a mera falta se sente.
Nem quando há falta no sentimento...

A saudade de anos atrás
é a mesma do ano passado;
a mesma que sinto agora:
entre a saudade de haver tido
e a de ter havido;

A saudade é infinita
mesmo que não seja o infinito.

Sinto saudade de
sentir saudade.

Sinto o imperativo
da vontade
saudar o impossível
retorno:
O tempo invariável
de sentir saudade, quando num tempo todo.

Saudade é o que sinto
não além
não aquém

Saudade é divisível:
metade eu mesmo;
outra, alguém.