Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

17.8.07

Piquenique

A lenha ferve e estala
O início da labareda
Que o vento alimenta
E sobe alto a fumaça
Uma carapaça lenta

O vinho se ambienta
A taça rubra, encarnada
A cor sangue da fruta
Que no rosto atormenta
Meus olhos de gruta

O chocolate e o morango
Um campo de flores
A margarida no escarpe
As flores pelo pano
Os abelhas na planagem

Um jazz antigo ao fundo
O grave da clarineta
O harmônico das sombras
Nossas duas tão pretas
E a maria-sem-vergonha

Os olhos que eram meus
À meia-luz clareiam
As velas tremelicam
Quando um louva-a-deus
Em teu ombro se estica

A noite nossa se entreva
Nos beijos da tua louça
Um percevejo nos cruza
E cheira o odor da névoa
Quando morre na chuva

10.8.07

Meu Lar

Tem-se valor de mendigo
O cobre dos ciganos
O papel do chinês
O retalho dos panos de linho
Quando o sino da vila toca
ao fim do mês

O valor dos seqüestrados
A troca dos piratas
Pela cabeça à prêmio
O cabeçalho do ano virado
O fim da soberba do nobre
e a do milênio

O valor dos sentimentos
A partida e a chegada
O vão e o pensamento
A história de um livro que não lemos
Quando esgota na prateleira
e no momento

Tem-se valor da sua coisa
Premissa à conclusão
O prato cheio, a folha
Da árvore num quintal escondida
Quando a única fruta dela
é sempre de outro

O valor que tem o olhar
Quando se chora ou ri
Olhos cheios de mar
Que cerca uma ilha de saudades
Que assim mesmo longe daqui
sempre é meu lar

8.8.07

De Volta às Ruas

Volto a andar pelas ruas...
E como nada mais murmura
como antes,
é de praxe salgar os dedos no mar
e pisar dobrado na areia.

E esperar que voltem também
os mariscos, as águas-vivas
e as sereias.
Porque, dessa vez,
não fico sozinho à beira.

Vejo ainda amendoeiras,
mas não subo nelas...
Talvez a idade perdida
de menino que eu era,
tenha ficado fraca
ou tenha se tornado esgueira.

Talvez nem seja esse o caso...
Talvez seja que não trago às ruas
o que é de casa.
Que, no final, minha casa é fantasia;
E fantasia nunca é passageira.

2.8.07

O Nascimento das Estrelas

Os pequenos índios da tribo
(Curumins que se chamam todos)
Talvez espíritos de porco,
Caimãs, irmãos pés de figo.
De todo os bolos de milho
Empanzinaram-se de loucos.

De tanto que comeram tudo,
Repreenderam-se das mães.
Correram, correram num afã
Até um colibri de luto,
Que os levaria bem ao escuro
Do aberto, com as cordas de lã.

As mães os seguiram na espreita.
No caminho, a lã dos cipós
Cortaram firme em suas veias
Antes que alcançassem os pobres.
Caíram as mães feito onças sóbrias;
Curumins no céu, viraram estrelas.

Mar no Copo

Quando, no auge da vertigem,
há vultos nos corredores,
não há medo,
nem muro...
No estrondo da maré,
não mareio;
Na veia da embarcação,
teu cume,
teu cheiro.
O veio da madeira
em teu lume.
Tua encarnação
que não vejo.
A bóia encarnada em solidão;
a outra verde, meu devaneio.
Entre as duas,
o canal,
o candeeiro,
o farol do meio,
a criança com a boca no seio
da mãe do escuro,
de toda a escuridão primeira.
Vento,
maresia.
A mortalha do corvo...
O esporro
que n'água esperneio.
A escotilha que friso;
o corsário.
O veraneio
que, por onde navega,
vela sobre vela,
carrega consigo um torto e feio
compromisso:
o vício das estrelas
de navegar-se por elas
entre esteiras,
entre mouriscos,
escravos e baderneiros.
Soluça o corpo da baleia,
dos peixes,
das gaivotas festeiras
no frio,
na ressaca,
na tardeia
que tarda.

Que somos um mar
dentro do mundo
assim como um trago no copo:
um barco flutua
como gira a colher;
e a lua bebe o mar
como faz o homem
no copo da mulher.