Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

13.4.07

Barragem

Poderia, de mãos abertas,
ler o sentido da vida que segue
ou da vida que persigo na mente.
Por cada linha da palma,
uso a ponta do indicador
para acompanhá-las.

Atravesso, como um boto,
as margens do rio, de um lado a outro.
Como a capivara rói os troncos
e os devassa num clarão da mata;
e que depois os entrelaça em barragens
arquitetadas como as do corpo.

Como as células do corpo,
a meninge da alma e do sentimento,
a barreira d'água entre a folha e o vento...
Barragens do coração,
da imaginação!
Um lago imenso criado,
com o qual afoguei bichos e plantas,
e que espera a hora de descer em corredeira cimentada,
por turbinas de geração,
e deixar a luz do corpo ser criada.

E assim levá-la aos olhos que falam,
aos órgãos que falham e
aos ombros que afagas.

Também voaram as maritacas do alagamento e
vôo como as que berram nas amendoeiras
e nas mangueiras que trepo.
Um voar famigerado, insustentado,
que plana ao contrário, de barriga pro espaço.

E pego sol como urubus fazem nos postes:
de cabeça baixa, arregaçando as asas e impostando a omoplata;
às vezes de pé direito levantado, às vezes de esquerdo,
às vezes de sandália, provocando as garças.

Mas as mãos que eu leio são unicamente minhas!
As linhas, os imperfeitos quadrantes que se formam delas,
os gomos de músculos fatigados
que se mexem incontrolados
como se fossem esferas de gude...

Minhas mãos únicas
são as mãos da natureza
que afofam a mata,
seguram as nuvens e separam as estrelas.

Minhas mãos que derrubam os obstáculos das palavras;
daquelas palavras ditas sem língua nem ar;
as pronunciadas pelo sentimento,
que vagam perdidas nas linhas da fala.

Regaço

É assim que se regam as flores?
Do choro dos deuses,
da chuva doce,
que deveria ser lágrima

Do sereno gelado
que os grilos bebem
nas gramas orvalhadas

Da maresia molhada
que as mariposas saqueiam à noite
e nos levam a nossa porta de casa

Da saliva dos anjos
que rodeiam a luz da sala
e borrifam meus olhos...
Que assim, ao fim da noite,
concentra-se empoçada
no regaço dos sonhos

12.4.07

Do Zero

Hora de recomeçar
Recolher as estrelas
Guardar a lua na caixa
Desmontar a galáxia
Pendurar o sol em seu lugar
Desvendar o esquecido
Procurar, procurar...

Juntar as conchas perdidas
Alinhar as nuvens em fila
como fazem aviões
Consentir a despedida
Estancar as lágrimas
derramadas pela falta,
pela solidão e pela saudade
Suprimir o fraco interno
Reagir ao novo externo
Inventar, reinventar...

Hora de reorganizar
Os pensamentos
As folhas dispersas
Os poemas esquecidos
Hora de amparar, escorar,
paralisar o sentimento
na tristeza derramada
dos momentos concluídos

Hora de zerar o relógio
Ajustar o ponteiro
Cativar o tempo
Sentir o lógico
e a idéia que a razão
cria em seu veio

Hora de vagar
Correr, alucinar
Trocar as pernas
Afrouxar o ar peado
Soltar as amuras
Caçar as adriças
Cambar, orçar avante

Hora de vento em popa
De abraçar esse vento...
E abraçar a si próprio
Numa nova aventura!