Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

25.10.07

Ainda Não

Uma vida prematura,
de oito meses no bucho.
Uns meses de luto,
uns meses de amargura.

Que enfrentamos raios,
trovões e barreiras.
Rebouças, bares, feiras
e o assombro dos arcos.

Qual inicia-se distante,
nas letras do computador,
nas palavras de impostor
que a ti mostrei diante.

Semanas após semanas
Filmes, peças, sentidos...
E o fraco nosso destino
Que morreu com as plantas.

E como depressão pós-parto,
a mãe rejeita o filho:
aquele todo carinho
foi esquecido e largado.

Os meses em que falei
cantando em teu umbigo,
e que assim algum filho
visse o pai que serei.

Os meses em que ele bateu,
batucou tua moringa,
teu xequerê na barriga,
e ouvimos de fora, um ser.

Imaginei a criança doce
que tua voz me disse
baixinho (uma reza de missa):
"sem expectativas" - que fosse!

Enquanto sua massagem
nas minhas costas feria
e eu nunca disse que a minha
te faria partir viagem.

Tantas coisas mal ditas
sequer nem ditas foram
que guardei (e como!)
pra dizer-te um dia.

E a única fotografia
que tiramos da gravidez
foi a memória que fez e
que guardei, mas será perdida.

Nem uma lembrança física
e juro que tentei guardar
o cheiro teu de mar
de um perfume nítido

Mas teu travesseiro,
mesmo que não lave e
guardado à margem,
não me salva teu cheiro.

Depois de dar à luz,
percebi o erro
quando, tarde, em receio
apareceu-me no susto.

E demos adeus no carro
com minha poesia tímida
(pouca e tanta pra minha vida)
que até hoje é um marco.

A vergonha minha, de fato,
era não deixar o acaso
percorrer sereno teu caminho,
como um passarinho bobo e de passos bem largos.

Não que seja assim,
mas que fora assim, penso.
Porque nada compreendo
de um amor de um lado, tendo fim.
Não ainda, pelo menos...

24.10.07

Cego Silêncio

Um dia, à beira do riacho
Havia a Cegueira de um lado
E d'outro o Silêncio.
O rio, de banda, passava
nos lírios-lavanda da mata.
Batiam-se os lenços,
A canoas de jacarandá
Que apontam e vão
Rente ao barlavento
Que as freiras sopram do convento,
ao vento que vão amar:
Um silêncio que não se vê, cego,
do outro lado escuro do luar.

19.10.07

Sonho

Um sonho está na cabeça
como um cuco no relógio.
Mas não está sonho
quando sai da cabeça que mora;
nem está sonho quando
a cabeça o segura e o controla.
Um sonho é um cuco
só quando sai da cabeça
e volta livre do tempo
e das horas.

Um sonho está na cabeça
como a língua de um sapo.
Mas não está sonho
quando sai da boca molhada;
nem está sonho quando
a boca o segura na entrada.
Um sonho é uma língua
só quando sai da boca
e volta livre do gosto
que o amarga.

Um sonho está na cabeça
como um coração fraco.
Mas não está sonho
quando vem à garganta sempre;
nem está sonho quando
a lágrima o coberta na mente.
Um sonho é coração
só quando sai de você,
volta livre de tudo
e não sente.

17.10.07

Maldito Seja

Maldito seja o homem
que serrou o carvalho
que é usado no balcão
e no assoalho do salão
- por onde começamos -
da Nova Estudantina;
Viste que me atrapalho
com meus próprios pés
quando és (sendo franco),
um ótima dançarina!

Exercícios Líricos

I

Não vingo
Sou menos Daniel
E Basilio
Nem terra, nem céu
Nem raso, nem abismo


II

Eu: Não chora, que eu choro!
Ela: Mas doce é o choro que te move...
Eu: Conto até nove e queimo no fogo!
Ela: Mas frio é teu caule, tão novo...
Eu: Não beija, que eu calo!
Ela: Mais perfeito que o beijo nosso, não tem, de fato!
Eu: Não deixe a orquídea morrer, nem meus poemas que a ela enfeitou...
Ela: Mas sabes que nada é passado, se o passado é perdido.
Eu: Ouça quando digo que o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou...


III

Carmelita invejosa
Passas feito cabrocha e
Bem longe de mim,
Gritas com voz de Capitu:
"Poeta-me com prosa!
Poeta-me com prosa se és mesmo tu!"

11.10.07

Dança

Marca o rosto
mascara-o
verte da face
o vértice do olho

Matizes rubras
tens na maçã
que contorno;
Magentas nas curvas
da pele de lã,
de seus poros.

Assombra o queixo
um sorriso farto
e sobre os ombros
seus ossos vazados
que me guardam um beijo

Brancos pés de porcelana
caminham na minha valsa
quase tocando o salão
e quase me rio sem graça

Verdes olhos meus encabulados
burlados pelo fato de se abrirem
quando, num beijo inesperado,
todos os lados de mim se omitem

Samba azul que no ar nos decola
um cheiro de maresia em seus dedos
o branco da areia em suas costas
e o lilás do sonho não vê-se no espelho

Furta dança cor de laranja verde
que mal no pé cabia tão gigante
caía na grama os passos de um frevo
que levo-a barganhando avante

Máscara de folguedo
que no peito brilha
até que a luz do adeus
de todo seu furor
se apague na despedida
e minha valsa florida
desbote a nota e a cor

3.10.07

Amocriado

De tudo o que se faz
a criar um amor,
disso fiz!
Pois criar é o que faço
de melhor e ainda melhor
que viver.

Daquele amor que tem
dois corpos de luz
ou de giz:
brancos e rabiscados
dentro da negra condição
de sofrer.