Da Poesia Viva

Minha foto
Nome:
Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

28.9.07

Paixão Necessária

Rio:
A cidade é a visão
de um olhar mais vazio,
que reviro à tardinha,
num momento da vida.

Minha hora,
entre o sonho e a memória,
de alçar o infinito.
Meu caminho de volta
é um caminho perdido.

Longa a estrada
de saber que a razão
é o amor desleal
e a paixão é o espelho
forjado através de um vitral .

Nego, se preciso:
a paixão não se segue
se há muito sentido.

Por um Aldir interno que tenho

27.9.07

Bicho Novo

Ali, na varanda,
um bicho que anda
feito lagartixa,
sorri pra mim.
Esbugalha os olhos
de poucos modos
e sua língua rabisca
o ar dos confins.

Agarro o bicho feio
- com braços ligeiros
feito Bruce Lee -
e o engulo!
Desce minha garganta,
aquela salamandra
cor de xaxim,
num impulso!

Gostosa feito amora,
que nem deixo sobra
pros macaquinhos
da floresta.
E o bicho se remexe
feito moça vedete
em seu carmim
de seresta.

Sinto que embrulho,
sufoco o ar com entulhos
de um novo coração
que me aparece.
Aquele bicho noturno
era disfarce do mundo
para chutar a solidão
que em meu corpo fenece.

24.9.07

Primavera

O antes pálido Setembro, floresce!

A mata primavera, como primaveram
seus pássaros, micos e arlequins.
As rugas da terra desaparecem e
renova-se a pele dos jardins.
Há cheiro de maresia nas folhas novas!
As gaivotas da Lapa primaveram também,
e pardais, rolinhas, pombas e bem-te-vis...

E ainda vivo numa estação meio outono-inverno...

Eu inverno tanto que chego a ser frio;
quase que invejo o calafrio do beijo
que o Verão recebe da Primavera,
quando o deseja boa sorte no reinício.

Minhas folhas ainda secam
Minha neve ainda cai
Meus animais se aquietam
Que não sabem primaverar
Meu peito congela
Meus olhos derretem
Meu corpo navega
Um profundo e escuro mar

Talvez minhas estações a devir
Não sejam essas todas quatro
Talvez primaverar seja arriscado
pra quem 'inda não sabe florir

12.9.07

Metade Segunda

Sem você não sou inteiro
Sou metade

A parte escurecida de uma lua minguada
Minha sala vazia de um lado
A calada visita de um novo ocaso
Na metade do horizonte que ferve pacato

A metade da cama que deito
O leito que a solitude marca
Um travesseiro sem nuca
A minha corrida sem freio
Numa estrada quebrada

A metade dos olhos que leio
Os teus olhos molhados, sem veio
O grito da madeira cortada ao meio
Que tomba na mata queimada

Quando durmo, imagino teu sono
Que metade é meu e que o prendo
Que a metade da noite que solto
Por todo meu dia me lembro

Sem você não sou inteiro
Sou metade

Choro metade das lágrimas
E guardo o resto vencido
Espero metade do tempo
Bebo metade do copo
Metade do mundo, metade de mim
Fumo o vento com um dos pulmões
Do mesmo jeito que me uso de um rim

Um coração que davaneio
Quase cheio até o meio
Afogando-me onde moro

E dali me permeio em tua face
Sigo metade da vida e retorno
Bem para te amar por inteiro
E ser amado pela metade

Poesia

A poesia do massacre das palavras
Que não ligo se for vendida, perdida
ou sepultada
É da poesia que vaza da carne vaga
Simplesmente poesia viva... viva
e mascarada
Destruo porque é poesia de letras
Que não é perene, que não se aprende,
não é sagrada
Porque de nada adianta a poesia se é morta
Que não é de dentro, nem de dentro pra fora,
se não é amada
Como nada adianta um sentimento mudo
Que não é um presente ao meu futuro
se a mim não volta
A poesia da mulher amada é divagada
De fora dos sonhos à profunda mágoa
que nela mora
Porque a poesia das Annas e Luisas
É a poesia que a nada se classifica
e apenas chora
Não se faz poesia do choro, nem da revolta
Nem da flora, da fauna, das luzes da aurora
que prevalece
Não se faz poesia da ilusão de outrora
Nem do recomeço do tempo e das horas
nem do que fere
A poesia do controle das palavras úmidas
Que lutam no ventre da madrugada fúlgida:
meu alicerce
A poesia que demanda mistura de cores
Fragmentos de amores suburbanos e de flores
da primavera
A poesia não é nada senão a revelia do sonho
Que nos dedos tremem quando me imponho,
contendo a fera
Em mim, havia a poesia da contemplação
Num contorno suave da luz no caramanchão,
nas trepadeiras
E no momento em que a poesia cessa de viver
Ela também convalesce bem como o anoitecer
e amanhece
De nada vale minha poesia sem os dedos
Sem as palavras, sem a luz ou o pretexto
perdido nela
Há talvez de uma poesia em mim habitar
Imune, fria, hibernada, sob o interno ar
que fenece
Pois nada vale a pouca poesia escrita
Se a coisa à qual vai toda a poesia,
não a merece

11.9.07

Idade

Porque minha idade é relativa ao meu futuro. O devir de uma garça quando pesca o último peixe da restinga, prestes ao pôr-do-sol repetido, que dia após dia se remexe no mangue da Guanabara à procura de um fio de vida. Não é relativa a meu corpo nem ao corpo dentro deste corpo externo.

A minha idade é absoluta, quiçá, quando vejo que o passado recorre. E foge da idade o momento fictício da falta de poder para alcançá-la. Minha idade, sim, é inalcançável, e que talvez morra nos museus e nas escrituras. Minha idade que viu muito mais do que eu e também que a viram muito mais do que a mim.

Minha idade é relativa ao meu presente. O constante mover das coisas, a eterna vadiagem do vento. Minha idade é a melancolia da água que chove, do cheiro que persevera na estante, nas roupas, no assoalho. Ela é corriqueira e cotidiana. É uma jornada de trabalho incessante, capaz de um cansaço maior que o alívio.

A minha idade é absoluta quando o presente me abastece. E congrega em mim a passagem do tempo como num soluço e a inflamação do apoio dos pulmões. Ela, como seriedade, já calcula as rugas que terei e os cabelos que perco e que embranquecem. Minha idade é positiva, mas não passeia na virtude, como um filósofo de barba branca.

Minha idade é de criança que balança no pneu pendurado pelo cizal, no galho forte da mangueira. Vem, vai, vem e vai... E lambuza-se de manga vendo os vagalumes piscarem na grama. Que se fosse idade tamanha de minha experiência, não teria o porquê de na vida regressar e voltar à idade que tenho na cabeça. Minha idade é relativa à minha infância, à minha juventude, à minha velhice e à minha morte, mesmo que a morte me seja distante.