Da Poesia Viva

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Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu;/ Quem não sentiu o frio da desgraça,/ Quem passou pela vida e não sofreu,/ Foi espectro de homem - não foi homem,/ Só passou pela vida - não viveu. (Francisco Otaviano)

30.4.08

Terapia de Casal

O dia desperta em meu cobertor,
as cortinas balançam, a calha treme.
Uma frestinha de luz insolente
espeta-se em meus olhos, num calor.

Os músculos todos se contraem,
meus pés se tangem ao finito da cama.
Um som de passarinho sobre a grama
ainda é coisa que os sonhos me trazem.

Parece que toda a cidade acorda,
antes mesmo da noite se deitar.
A cidade que não sabe onde mora.

E eu, entre as estrelas da manhã,
reconciliando um casal de outrora:
Dia e Noite, deitados no divã.

28.4.08

Tudo de Novo

Se já passei da hora
Quando ainda soa o relógio
Quando o sino, às seis, badala
Ou o crepúsculo se demora
Nas prateleiras da sala

Se já falei da morte
Quando ainda flora a saúde
Quando meu rosto ainda cora
Minha fantasia secreta
É ir se vivendo amiúde

Se já falei de sonhos
Quando quase nunca adormeço
Quando ainda há só claridade
Alumiada por cada olho
Saindo provável do peito

Se já falei de amor
Quando debrucei nos meus sonhos
Morrendo de vergonha tanto
Quando o tempo recomeçou
Falo agora tudo de novo

Merecimento

Não sou do público, nem da multidão!
O que eu publico é de uma pessoa, apenas:
Aquela que não está onde todos estão.

Porque admiro uma pessoa serena,
Que os olhos dela não pareçam vazios.
Publico a ela, mesmo que não mereça.

24.4.08

Nunca Mais

Penso que, aonde vou,
não há de haver mais outros
entre deuses, terra e céu;
vagando num mosteiro
ou divagando em carrossel,
ou num trapézio ao som de
um trovador.

Mesmo assim, eu vou!
Pois sei que, na verdade,
dentre as trevas há sinais
que evitam meu contato.
E em paralelo ao "nunca mais",
eu ando como andasse
um sonhador.

Ou será que não vês
um desejo transbordar
dum coração?

Eu, na saudade de um amor
em convulsão,
fadado a cortejar um impostor.

Mesmo assim, eu vou!
Pois sei que, no silêncio
que habita nosso lar,
há sonhos de outrora
impedidos de sonhar.
Não sei se vou voltar,
mas sei que vou.

23.4.08

Fantasma

Vagava sem instante,
Como acontecido
Num farol de terra.

Rodava incessante,
Procurando o céu
Entre tantas estrelas:

Um navegante,
No banco dos réus,
Distribuindo pedras.

E à meia-noite acordava,
Num quarto vazio,
Arranhando um calafrio
Cá, da nuca, até os pés.

Corria luminoso
No horizonte, feito um peixe
Em meia calmaria.

Que nem folclore,
Fábula ou cordel;
Que nem feitiçaria.

Saltava louco
na madrugada,
iluminado pela luz do dia.

E à meia-noite gritava,
Num susto temido,
Alavancando um gemido,
Que um fantasma ria.

22.4.08

Do Ano Passado

Minha memória anda confundida.
Não pelo excesso de momentos lembrados,
mas pelos poucos distantes escondidos.

Talvez seja a rotina que não se deixe gravar,
já que se repete. Então, parece
que lembrar do presente não se deve
à memória a que se remete lembrar.

É dos tambores de Ogum que lembro,
e não das batidas de trânsito.
É da voz de uma artista feminina
em seu longo e severo canto,
em vez dos passarinhos de Laranjeiras.

É dos trilhos de Santa Teresa,
que seguimos (ela cá, eu lá),
quando deveria eu lembrar do caminho de casa
- e voltar.
É da cachaça que me deixa mais solto,
não da timidez com que te olho no olho.

Das cores branca e vermelha
e não das minhas cores.
Da rosa entrelaçada em seus cabelos
que não os deixam em embaraço.
Do cansaço da ladeira, subindo e descendo.
Minhas pernas em tremores.

É dos goles de cerveja,
da conversa num bar da Lapa,
logo antes do violão de Zé Paulo.
Da tentativa de dança que sempre
me conduzia como dançasse
sobre um invisível palco.

Da felicidade que me ressalvo,
dia após dia, enterrada na sua boca.
Das segundas-feiras seguintes que lembro,
e não das outras.

Na minha lembrança,
o meu destino guardado
por detrás das persianas
de um quarto.
É lá, do meu amor de criança,
que me deixo em resguardo.

E deito ao lado da memória
como se deitasse ao seu lado.

20.4.08

Limpeza Étnica

Há gritos ainda em Serra Leoa,
em Angola, no Timor e no Haiti.
Crianças despejadas em Fallujah,
choros amordaçados dos civis.

Ainda ouvem-se os chechenos vivos
nas masmorras de uma Grande Mãe russa.
O nacionalismo cruel dos mortos,
dos expatriados, dos infelizes.

'Inda ouve-se a fome roendo estômagos,
meninas estupradas nas savanas.
A paz tibetana a ser subjugada
pela competição de poucos sonhos.

A ditadura, o hospício, a liberdade.
Escolher ser ditador é loucura
e não te deixariam livre por isso.

Não se avoca liberdade sem fúria!

Se não existe numa identidade,
não há nada que existir-se num mapa.
Não há nada que se limpe num mundo
pelas mãos que se ativaram as granadas.

Noite

Abro a janela e, de repente,
Sinto um calafrio noturno.
Aquele fatídico sopro amargurado
Despencou-se pelas cortinas,
Em seu trote pelas janelas.
Aquele edifício de neblina, apagado...

Abaulara minhas pestanas,
Minhas saudades curvilíneas,
Aquela inesperada imposição das trevas.
Desabotoaram-se os ombros
Arregalaram-se meus olhos
Minha boca roxeava sempre à tua espera.

16.4.08

Pique-Esconde

De tanto que corri,
Ouço-me esbaforido.
Apenas meu respiro
Dentro quieto de mim.

Pela fresta da porta,
Vejo a sombra dos pés
Que me perseguem há horas,
Talvez dias, até...

Pra lá e pra cá, passos
E risos diabólicos...
Rio apenas co'os olhos,
Nunca estardalhaço.

Escondo-me profundo,
Entre todos acasos
Que existem nesse mundo...
E nunca mais que saio!

14.4.08

Poesia Escrita

Não devoro assim todas as minhas letras
Não sou poeta de dizer poesia
Sou tímido e minha timidez é negra

Talvez tão negra, que chegue a ser vazia
Sou poeta dos lápis e das canetas
Porque não sei me expressar com gritaria

Insônia

Meus dias passam afoitos
numa pressa de quem
não quer mais prolongar

A minha pressa de vida
não parece querer
mais meu dia acordado

Eu amanheço no escuro
E encontro um céu mascarado

Londres (de passagem)

Quem sofre na Londres congelada
Entre os becos, entre os tantos parques
Daquelas donzelas mal casadas

Do insulto a todos os incapazes
Dos rapazes tão impertinentes
e que não sabem nem o que fazem

Quem sofre nessa Londres demente
Das imensas nuvens da matina
Da constante educação de gente

Dos marginais das periferias
Do tal zelo pela liberdade
Das crianças feias, mal vestidas

O sofrer em Londres, na verdade
É sair de casa quando neva
Vendo além do branco, a claridade

O sofrimento que lá, se espera,
É maior do que se compreende
Fica além dos pratos, da baixela

Cá, sendo o mundo suficiente,
Tudo o que se sofre lá, não importa:
é o contrário do que aqui se sente.

Casa Vazia, Coração Carregado

A casa, comigo apenas,
não se sente bem.
Portas não fecham,
janelas tremulam...
Até o açúcar, ela empelota.
E sempre dificulta
o vento fresco lá de fora.
O cheiro estranho do sofá,
dos armários;
o mofo na porcelana,
pias e candelabros...
A luz é discreta,
o som é distante,
as madeiras rangem
e o assoalho, sob meus pés,
enverga.

Às vezes, sinto um pulsar acelerado
a casa estremece, balança;
e meus dedos parecem gelados,
como o nariz, a orelha e os lábios,
e as paredes não parecem mais brancas.

À essa altura, alguém bate na entrada,
e ignoro.
Grito aqui de fora, que não tenho
espaço.
Corro livre e comemoro
mais um dia que passo
numa casa em meu peito fraco
onde apenas eu que moro.

Tempestade

Não chove mais aqui.
Não preciso de guarda-chuva:
ameaça, ameaça, mas não chove.
E não faz sol também...
O céu não se abre por inteiro,
é tudo escondido, não se descobre.

O Rio já foi sujo,
não o vejo mais tão sujo assim.
Talvez sejam os olhos de um sonhador.
E nem é limpo tanto
(sem exageros de minha parte)
Talvez sejam marcas de um velho amor.

E amar já foi melhor:
vinho pra cá, pizza pra lá,
um cinema às terças-feiras, sorrisos.
Não que seja ruim...
É que, agora, amar é difícil
o tanto quanto desamar um filho.

Não chove mais aqui.
E eu, sem meu guarda-chuva, rezo!
Temo pela enxurrada que promete.
Aliás... Nem por ela,
mas pela calmaria;
pelo momento em que a chuva não fere.

Não sei mais, na verdade,
não quero águas descendo a rua,
lavando, nelas, meus olhos sem rumo...
Ou se tudo é absurdo
e prefira ter o guarda-chuva,
vendo o Rio enxarcado num dilúvio.

Outra

Outra casa, outro cômodo;
Como se o passado ainda fosse novo.
Outro verso, outro tempo, outro divã...

Corro avulso pelos sonhos,
Como se voasse feito marimbondo,
No casulo protegido da manhã.

Forjo um beijo no teu rosto,
Como verdadeiro fosse meu aforo
E teu beijo fosse bala de hortelã.

Outro mundo, outra cria;
Sentimento à beira de toda avaria,
Crocheado, como um vulto feito em lã.

9.4.08

Canção da Partida

Até o último suspiro!
A derradeira piscada...
A nuca venta frio e
Nos dedos, uma fisgada.

Um leve desvario
Procurando estada;
À sombra, um arrepio.
No som, uma toada.

Do alto, vem o indício
De sua hora chegada:
Um silencioso grito
De uma voz delicada.

Enquanto espera comigo,
Minha saudade deságua
Num rompante vazio,
Em cada lágrima chorada.

8.4.08

Uma Eterna Recorrência

Às vezes, calho de regredir,
Numa espécie de sossego,
Numa forma de desatino,
Algum conjunto de defeitos.

Limite do qual me esgueiro:
Uma gangorra de sentimento
Indo, vindo; e eu, sorrateiro,
Sempre encurralado,
Ainda que atento.

Sei que não devo!
Onde, no passado que ateio,
Apareço ou
Reapareço
Em cada momento,
Sempre e sempre e sempre...

Regredindo...
Ora devaneio, ora saudade.
Dentro de um veio,
Risos e passeios;
Indo, vindo e
Guardando os dias...
Um pouco do tempo que parte
- Entre todos os tempos que fico -,
"Sempre" é o tempo que me invade.

De regredir sei muito
A que me devo progredir, penso...

Cansado, mas avante:
Um dia é menor que um instante...
Nunca deveria viver
(Havendo assim mesmo uma vida)
A ver que ela me passa distante.

Repito o passado e repito...
A sala novamente se esfria,
Todos os quartos vazios,
Todos os sonhos felizes...
Outra vez amando, mas num'outra vida.

Outono

As folhas caem,
Os risos secam,
As chuvas cessam,
E inicia-se o Outono.

Com seu jeito morno,
Com seus ares de moço;
Pouco juvenil sem o calor,
Pouco maduro sem o frio,
Pouco feliz sem a flor.

Outono é outro, e é próprio:
É do Inverno, o esboço;
Do Verão, o lixo;
Da Primavera, o sabor.
Outono é pouco,
Outono é simplório.

Tudo nele é forte, sagaz;
Por isso que em todo ano vindo,
Meu cronômetro retraído
Espera o Outono e nada mais.

Estado Fraco

Vejo um povo miserável
Não pela falta de riqueza
Mas pelo excesso dela

Uma riqueza involuntária
Desconhecida de sua força
Inventada, inserida, sem defesa

O que existe é um Estado involuntário
Contra todas as premissas hobbesianas
Sem consenso, num eterno enxugar dos panos
Aqueles que cobrem as artes num inventário

Vejo um povo dividido
Meio autoritário demais
Muito cheio de sonhos

Que é seu próprio inimigo
Que não sabe ter planos
Quando se afoga em espirais

Vejo que existe um Estado fajuto
Comedido, entornado em suas beiradas
Sem partidos, sem guerras, sem nada

Um Estado sem espadas num eterno luto
Um povo desalmado, cansado e diminuto
Que talvez padeça, que talvez reaja
Que talvez não faça parte, não me insira
A esperança que não me basta!

Que a tanto tudo e todos,
Meu povo é algo rechaçado
A que sempre, em todo caso, me imputo

4.4.08

Juízo de Escolha

Não sou de escrever sobre o amor.
Não tenho tanto esse direito,
Também julgamento ou o que for.

Porque sou muito de imperfeito.
Porque não tenho esse rigor
Nas poucas letras em que o escrevo:

Onde há vício de sentimento,
De entrelinhas e de pretextos.
Nessa face austera do tempo,

Não sabia do amor tão cedo.
Pois que amar é assim bem mais lento
Que a ansiedade vil do desejo.

Na gramática, na sintaxe,
Qual toda fé orada em exagero,
Escrevo a tudo que me cabe.

Mas sobre o amor que trago vivo,
Sobre ele, não tenho direitos;
Sobre ele, não tenho esse arbítrio.

1.4.08

A Razão Parasita

O que sinto não se pronuncia

Não se anuncia pelas estrelas
Não são imagens delas, apenas
São coisas que brotam da terra
Que os amantes amam suados
Que os poetas escrevem
(mas escrevem contrariados)

Que as freiras escondem
E os padres rezam pela revelação
Que as parteiras puxam do ventre
Que os filhos nascem nas macas
Que controlam o marcapassado coração

Que os doentes adoecem felizes
Entre os leitos de morte
Dentro das mortes que já sentem

São coisas inexplicáveis
Que os duendes escondem no porão
Que os monges bebem antes dos cânticos
Engrossam a voz dos mantras
Repete-se e repete-se e repete-se

O que sinto não tem jeito
Não se ajeita na ilusão dos sonhadores
Não se encaixa no sonho dos iludidos
Não tem preço

São coisas que os planetas giram
São coisas do eixo do universo
Do feixe do sol, do facho de luz

O que sinto não se devaneia
Não se sofre, não se vende
Não se venda
Não é inteira dor, nem meia
Não sei de quem é, mas não é alheia
Não sei de que é feita

Sei que o que sinto não é sentido
Nem do ouvido, nem do cheiro, nem das mãos
O que sinto não é olvido, nem lembrado
São coisas que permeiam
São coisas que os deleites da vida permitem
Que os destinos cruzados definem
Que os amores largados reamam
Que o tempo esquecido retorna e passa de novo
Que sempre definham

O que sinto é a explicação de tudo
Do indecifrável, do irresoluto

Coisas que o momento movimenta
Que o constante mover, o paralisa
São coisas que a vida revisita
Mesmo na partida repentina
Ou quando se reinventam

Coisas que me limitam
Misturando-se ao meu corpo
Que me parasitam

Coisas que me julgam
Coisas que me libertam
E mesmo assim,
São coisas que me condenam